A pernambucana Maira Moraes conquistou o direito de acompanhar de perto os primeiros meses de vida da filha, mesmo sem ter engravidado ou adotado a criança. O bebê foi gerado no ventre da sua companheira, que fez uma inseminação artificial, mas não pode amamentar. Essa parte ficou, então, a cargo de Maira. Por isso, ela conseguiu, em acordo com o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e a empresa em que atua como jornalista, usufruir da licença-maternidade. Segundo o TRT, a decisão é inédita no estado — o juiz Eduardo Câmara afirma que este é o primeiro caso em que uma licença-maternidade é concedida nesta situação em Pernambuco.
O juiz Eduardo Câmara, gestor Regional da Execução Trabalhista e coordenador do Núcleo de Conciliação do TRT-PE, esclareceu que o caso é peculiar porque a lei determina que a licença seja concedida a quem gestou ou adotou uma criança. No entanto, Maira não se enquadra em nenhuma das duas situações. “O grande diferencial é que a mãe que gestou não é a que vai sair de licença”, resume o magistrado, que comandou a audiência de conciliação em que o acordo foi celebrado.
A conciliação foi obtida em 28 de julho, no Recife, na quarta audiência realizada pelo TRT da 6ª região entre Maira e a empresa em que ela trabalha. Na ocasião, foi decidido que a empregadora deve arcar com os custos da licença-maternidade. Assim, a jornalista poderá gozar integralmente do benefício, que prevê 120 dias de afastamento remunerado do trabalho após o nascimento dos filhos.
Este, segundo Câmara, era outro impasse porque, normalmente, os empregadores só assumem a despesa em caso de filhos biológicos. Já em adoções, o INSS é o responsável pelo benefício. Porém, mais uma vez, Maira parecia não se encaixar em nenhum dos casos. “A grande dificuldade era de classificação para fins de concessão beneficiária. Mas, depois de analisar o processo, cheguei à conclusão que as duas eram mães. E não era um caso de adoção, porque a criança foi gerada pelo casal”, fala o juiz.
Câmara esclarece ainda que a legislação também considera legítimos os filhos gerados em uma inseminação artificial heterogênea – quando há material genético de terceiros -, como aconteceu com Maira e a companheira, que usaram o sêmen de um banco genético para gerar a filha. Diante disso, todas as partes se convenceram de que Maira não se encaixava na categoria de mãe adotante, como havia sido cogitado pela empresa inicialmente, mas na de mãe legítima. Logo, a contratante da jornalista se comprometeu a assumir o pagamento do benefício.
Burocracia
Grata pela conquista, Maira lamenta apenas o excesso de burocracias enfrentado durante o processo. “Nós sentimos que estamos usufruindo de algo que é de nosso direito. Mas, como tudo ainda é ‘novo’ para a Justiça, tivemos que passar por mais burocracias que o normal”, comentou. Ela explica que o acordo só foi celebrado três meses depois do nascimento da filha e do início do processo. Por isso, ela não estava recebendo a remuneração prevista pelo benefício neste período.
“Mesmo antes de ela nascer, nós já havíamos tentado a licença com a empresa. Mas eles não tinham um entendimento correto do caso, achavam que eu seria mãe adotiva e que por isso eu teria que ir ao INSS buscar o benefício. Então, o processo foi se prolongando”, conta. A advogada do casal, Joanna Varejão, confirma que foi por conta deste impasse no pagamento que foi preciso entrar com uma ação na Justiça do Trabalho. Afinal, Maira já havia acordado o afastamento do trabalho com a empresa.
Maira ainda conta que participou ativamente da inseminação e da gestação da companheira, Nathália Lins, 31. E, para ela, isso também a torna mãe. “Estivemos juntas o tempo todo. Fiquei grávida junto, só que sem barriga”, brinca. Maira e Nathália estão juntas há 5 anos e sempre pensaram em ter um filho. Em 29 abril deste ano, realizaram o desejo, quando Maitê nasceu.
Além disso, a jornalista se submeteu a um tratamento hormonal para produzir leite para a filha Maitê, já que a companheira não pode amamentar por conta de uma cirurgia realizada antes da inseminação. Segundo o juiz Eduardo Câmara, essa decisão também foi fundamental para que o acordo pudesse ser viabilizado. Afinal, a proteção da licença é para a criança e não para a mãe. E, neste caso, Maira detinha uma responsabilidade maior sob o cuidado da filha porque era a responsável pela sua alimentação.
Para provar a condição de mãe, a jornalista ainda apresentou a certidão de nascimento da filha, que contém o nome das duas mães, e a certidão de casamento com Nathália. Os atestados de acompanhamento da inseminação artificial e do tratamento hormonal também serviram de provas no processo.
Caso inédito
Segundo o juiz Eduardo Câmara, Maira pode servir de exemplo para outras decisões semelhantes e, assim, tornar-se referência para os direitos homoafetivos no estado.
“A licença-maternidade é concedida para a mãe que gera, mas, neste caso, as duas foram classificadas como mães. E hoje nós vemos uma mudança razoável no panorama de família. Então, isso abre o precedente para que outros casais, femininos ou masculinos, solicitem o benefício. Um casal masculino, por exemplo, pode adotar um filho e um deles vai ter que ficar com a criança. Então, nada mais justo que tenha acesso ao benefício”, defende. No entanto, o magistrado reconhece que pode haver novamente um impasse na classificação dos genitores. “A dificuldade seria classificá-lo como adotante ou legítimo”, diz.
Maira também torce para que, com este acordo, outros casais homoafetivos tenham direito à licença. Mas ela mas espera principalmente que o processo se torne mais fácil com o tempo. “Queremos que outros casais possam usufruir deste período, que é necessário para a criança, sem precisar se desgastar e passar por tantas burocracias”, afirma. “A expectativa é que outros casos não precisem de uma ação judicial. Porque, apesar de ser inédito, este é um direito constitucionalmente garantido. Maira é mãe da criança, independente de ter passado por um processo gestacional ou não. E, como mãe, tem o direito”, completa a advogada do casal.