A empresa SBF Comércio de Produtos Esportivos Ltda, detentora das Lojas Centauro, foi condenada, no julgamento de uma Ação Civil Pública, a pagar 300 mil reais por dano moral coletivo, bem como a cumprir obrigações de não-fazer, por praticar assédio moral contra vendedores. A decisão foi proferida pelo juiz substituto Marcelo Palma de Brito, em sua atuação na 14ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
Na ação, o Ministério Público do Trabalho denunciou a adoção de políticas agressivas e punitivas de metas pela empresa. Como exemplo, apontou que empregados menos produtivos são punidos com determinação de retirada de lixo e carregamento de baldes de água após o expediente, para realização da limpeza do dia seguinte, além de serem perseguidos e sofrerem remanejamento de folgas.
A partir dos depoimentos das testemunhas, o juiz reconheceu a prática de assédio moral organizacional no caso. A prova oral revelou que os vendedores são remunerados exclusivamente à base de comissões, daí advindo a necessidade de alcançarem o maior patamar de metas possível. Conforme relatado, a empresa possui faxineiros/zeladores responsáveis pela limpeza do estabelecimento. Na visão do juiz, a retirada de lixo e o carregamento de baldes de água no final do expediente eram impostos como castigo ao vendedor que não batesse metas. Uma situação que não se compara à limpeza e organização do setor de trabalho normalmente realizada no início do expediente pelos próprios vendedores. Uma testemunha afirmou que foi ameaçada de dispensa caso não atingisse as metas de venda e houve relatos de gozações dos colegas e de incômodo na execução de tarefas não consideradas próprias da função de vendedor.
Diante desse contexto, o julgador não acreditou na versão apresentada pela reclamada de que o serviço era realizado após o expediente de forma espontânea em companheirismo aos zeladores. Para ele, ficou claro se tratar de uma penalidade, mesmo porque, como ponderou, os vendedores passam a jornada quase toda se deslocando em pé, terminando o expediente extremamente cansados.
“Havia a atribuição antijurídica e abusiva aos vendedores que não atingissem as metas ao final do expediente, em típico assédio moral estrutural”, foi a conclusão a que chegou. O magistrado registrou que a execução da atividade em si não é problema, mas sim o fato de se tratar de um castigo. “Elas se davam como meio de pressão, como meio de estímulo (leia-se castigo) para que o vendedor se sentisse compelido a produzir mais em prol do empreendimento pelo receio da aplicação da penalidade/obrigação de retirar o lixo e buscar água”, destacou.
Ele identificou, no caso, violações ao princípio da dignidade da pessoa humana e respeito à personalidade (artigos 1º, III, e 5º, V e X, ambos da CF) e da valorização do trabalho humano e da busca pelo pleno emprego digno e saudável (art. 1º, IV, e 170, caput e inciso VIII, da CF/88). E também à proteção do meio ambiente do trabalho que goza da devida proteção constitucional por meio dos artigos 200, inciso VIII, e 225 da Constituição.
Ainda como parte dos fundamentos da decisão, lembrou que o estabelecimento de metas de vendas é direito do empregador. Ainda mais nos ramos varejista e atacadista, marcados por extremada competição pela venda de produtos esportivos, dentre outros. Porém, o patrão não pode extrapolar limites razoáveis estabelecidos pela dignidade do ser humano trabalhador. “Essa cobrança, jamais, pode aviltar a dignidade do empregado a ponto de impingir-lhe punições e atribuições estranhas ao cargo que a título de melhoria de sua produtividade”, destacou o juiz, acrescentando que o poder diretivo patronal encontra limites no artigo 187 do Código Civil. Esse dispositivo estabelece que comete abuso de direito aquele que excede manifestamente os limites impostos pela ordem civil, social e econômica, constituindo o abuso de direito ato ilícito.
Na decisão, o magistrado realçou, ainda, não ter ficado demonstrado se, efetivamente, os gerentes tomavam providências contra os empregados que caçoavam dos colegas. Quanto às folgas, no entanto, entendeu que não ficou provada a alegação do MPT. Ou seja, não houve prova da prática da empresa de remanejar os descansos dos empregados que não atingissem as metas.
Diante de todo o apurado, o julgador decidiu condenar a ré a abster-se de submeter os vendedores às situações constatadas e não permitir, bem como não incentivar ou tolerar, por meio dos superiores/gerentes, que os demais empregados fiquem caçoando daqueles empregados que não tenham atingido as metas de vendas, tudo sob pena de multas. Além disso, a empresa foi condenada ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$300 mil, a ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
“Configura dano moral coletivo na seara justrabalhista o descumprimento, por parte da empregadora, dos direitos sociais trabalhistas difusos, coletivos ou individuais homogêneos”,registrou o juiz, ao reconhecer que a situação impõe o deferimento de uma indenização. “A prática revela verdadeiro descrédito com a ordem jurídica justrabalhista, ao submeter os obreiros empregados da empresa ré a pressões organizacionais para produzirem cada vez mais em prol do empreendimento capitalista”, acrescentou.
O valor foi fixado com base em vários critérios explicitados na sentença, inclusive o fato de se tratar de empresa de âmbito nacional com grande porte financeiro. De acordo com o magistrado, a reparação tem natureza inibitória, resguardando a ordem jurídica e a coletividade como um todo.
Por fim, o juiz entendeu que a decisão proferida, principalmente com relação às obrigações de não fazer fixadas, vale em todo o Território Nacional. Para tanto, aplicou o artigo 103 e incisos do Código de Defesa do Consumidor e OJ 130 da SDI-2 do TST, diante da natureza difusa e coletiva stricto sensu dos direitos tutelados na decisão, possuindo esta efeito erga omnes e ultra partes.
( nº 02111-2014-014-03-00-0 ).