Desconsideração inversa da personalidade jurídica para proteger o cônjuge

A desconsideração da personalidade jurídica tem a regulamentação prevista tanto no Código Civil, artigo 50, quanto no Código de Defesa do Consumidor, artigo 28, nasceu esta doutrina na Inglaterra em 1896, em um julgado inglês, de Salmon X Salmon Co.
A doutrina da desconsideração pretende o afastamento temporário da personalidade da pessoa jurídica (empresa), visando a atingir o patrimônio pessoal do sócio ou administrador que cometeu o ato abusivo. O que se tem aqui não é o aniquilamento ou desfazimento da empresa, é a desconsideração episódica ou temporária.
É possível a desconsideração pelo Código Civil por causa de desvio de finalidade (é instituída para uma finalidade e pratica outra) ou pela confusão patrimonial (a pessoa física quase se confunde com a pessoa jurídica). Para isso tem que se provar além de um desses requisitos a insolvência da pessoa jurídica.
Após uma breve análise acerca da desconsideração da personalidade jurídica, criou-se, por ora, sem previsão legal, tão-somente uma aceitação doutrinária e jurisprudencial a existência do instituto denominado “desconsideração inversa da personalidade jurídica”.
Quer dizer que, em outras palavras, o juiz atinge o patrimônio da sociedade para poder forçar o cumprimento da obrigação da pessoa física fraudadora. Inicialmente, tem-se usado muito nos casos de separação matrimonial, onde um dos cônjuges transfere os bens do casal para a empresa para impedir a partilha.
Assim, o C. Superior Tribunal de Justiça manifestou-se sobre o tema, a fim de demonstrar a grande aplicação no direito de família
A desconsideração inversa da personalidade jurídica poderá ocorrer sempre que o cônjuge ou companheiro empresário se valer de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, para subtrair do outro cônjuge direito oriundo da sociedade afetiva. Decisão é da 3ª turma STJ.
Na ação para dissolução de união estável, o juízo de 1º grau, desconsiderou a personalidade jurídica da sociedade, para atingir o patrimônio do ente societário, em razão de confusão patrimonial da empresa e do sócio que está se separando da companheira.
Máscaras societárias
A alegação do empresário no recurso interposto no STJ é de que o artigo 50 do CC somente permitiria responsabilizar o patrimônio pessoal do sócio por obrigações da sociedade, mas não o inverso. A ministra Nancy Andrighi, relatora, entendeu que a desconsideração inversa tem largo campo de aplicação no direito de família, em que a intenção de fraudar a meação leva à indevida utilização da pessoa jurídica.
“A desconsideração da personalidade jurídica, compatibilizando-se com a vedação ao abuso de direito, é orientada para reprimir o uso indevido da personalidade jurídica da empresa pelo cônjuge (ou companheiro) sócio que, com propósitos fraudatórios, vale-se da máscara societária para o fim de burlar direitos de seu par”, ressaltou a ministra.
A ministra esclareceu que há situações em que o cônjuge ou companheiro esvazia o patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integraliza na pessoa jurídica, de modo a afastar o outro da partilha. Também há situações em que, às vésperas do divórcio ou da dissolução da união estável, o cônjuge ou companheiro efetiva sua retirada aparente da sociedade, transferindo a participação para outro membro da empresa ou para terceiro, também com o objetivo de fraudar a partilha.
No caso analisado pelo STJ, o TJ/RS seguiu o entendimento do juízo de 1º grau e concluiu pela ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do sócio majoritário. Alterar a decisão quanto ao ponto, conforme a ministra, não seria possível sem o reexame de fatos e provas, o que é vedado pela súmula 7 do STJ.
Legitimidade ativa
Conforme a decisão, a legitimidade ativa para requerer a desconsideração é atribuída, em regra, ao familiar lesado pela conduta do sócio. No caso analisado, a sócia detinha apenas 0,18% das cotas sociais, sendo a empresa gerida pelo ex-companheiro.
Segundo a relatora, seria extremamente difícil investigar os bens da empresa com a pequena cota social da mulher, para que fosse respeitada sua meação. “Não seria possível, ainda, garantir que os bens da empresa não seriam indevidamente dissipados, antes da conclusão da partilha”, analisou a ministra.
“Assim, se as instâncias ordinárias concluem pela existência de manobras arquitetadas para fraudar a partilha, a legitimidade para requerer a desconsideração só pode ser daquele que foi lesado por essas manobras, ou seja, do outro cônjuge ou companheiro, sendo irrelevante o fato deste ser sócio da empresa”, concluiu.
A ministra esclareceu que, no caso, a legitimidade decorre não da condição de sócia, mas em razão da sua condição de companheira.
Processo relacionado: REsp 1.236.916
Fonte: STJ – Superior Tribunal de Justiça
Elaboração: Marco André Clementino Xavier

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